Joaquim José Lopes do
Rosário Lourenço,
nasceu a 06 de Dezembro de 1971, na Chamusca , em casa dos avós maternos. Como
o próprio diz, “numa tarde anormalmente quente e ensolarada.”
Filho de um casamento por procuração,
a mãe vivia na Chamusca e o pai, militar, estava a cumprir a sua 3.ª comissão
de guerra em África, é concebido em Moçambique, depois da consumação do
casamento por parte dos seus pais.
Devido ao perigo da guerra, já com 7
meses de gravidez, a sua mãe regressa a Portugal, mas durante o voo começa a
ter sinais de parto e passa por momentos dolorosos. Apesar dessa situação a criança apenas viria a nascer 2
meses depois.
Foi somente aos 3 anos que conheceu o
pai, em Angola, onde este se encontrava a garantir a ponte aérea entre aquele
país e Portugal, na fuga e embarque de todos aqueles que procuravam pôr-se a
salvo dos confrontos da guerrilha civil angolana. Desse período ficam-lhe
marcados na memória o estilhaçar dos vidros da casa onde viva, devido aos
disparos e rebentamentos, o sofrimento da mãe com o receio do perigo que
corria o seu filho e o regresso urgente a Portugal por razões de segurança e
que originou mais uma vez a separação da família.
Filho de um pai ausente é o avô a sua
figura paterna. O amigo e protector durante uma parte da sua infância, que
decorre tranquila com a frequência da escola primária e com uma alegria em
muito reforçada pela oferta de instrumentos musicais de brincadeira, que são
para ele como autênticos tesouros.
Aos 9 anos recebe do pai, como prémio
por ter sido aprovado no exame da 4.ª classe, uma guitarra clássica e sozinho,
no seu quintal, começa a tentar aprender algumas melodias, ouvindo a telefonia. Pouco tempo depois já consegue interpretar os temas, “Canta Amigo
Canta” e “Uma Gaivota Voava Voava”.
Por influência dos vizinhos que o
ouviam e viam nele qualidades musicais, chega a ter lições de música com o
músico e fadista João Chora e a actuar num espectáculo no Cine-Teatro da
Chamusca.
Com o final deste aprendizado
dedica-se sobretudo aos estudos, ingressando no curso de Sociologia da
Universidade de Coimbra. Contudo, durante este período, conjuntamente com os
seus amigos e músicos, Luís Petisca e Sérgio Marques, continua a tocar nos
jardins da Chamusca e nas escadas do Cine-Teatro local, por puro prazer, tendo
depois os 3 começado a actuar em bares e em espectáculos de fado realizados ao
fim-de-semana. Chega igualmente a fazer parte do elenco musical da reposição
das revistas “Na Cepa Torta” e “Salsifré”.
Como a sua motivação eram sobretudo
os estudos, apesar dos convites de grupos de fado de Coimbra e de ter feito
algumas actuações, dedica-se com afinco ao curso e ao mestrado, terminando
ambos com sucesso.
Torna-se investigador na Universidade
de Coimbra e complementarmente dá aulas de Sociologia. Em
simultâneo, trabalha como investigador na área de Psicologia Clínica, no
Hospital da Universidade. Escreve ainda textos, na área de psicologia, a
convite de universidades dos Estados Unidos da América e que são publicados,
com frequência, naquele país. Apesar do convidado para ir fazer investigação e
viver para os Estados Unidos da América, acaba por permanecer em Portugal.
Em 1998 com a morte de Frank Sinatra,
compra os cd’s deste cantor e volta a “renascer” para a música. Acompanha a digressão
do conjunto “Além Mar” e conhece também o grande compositor e intérprete José
Cid que o incentiva a cantar.
No ano de 2000, em Abrantes, estreia o
primeiro espectáculo da sua autoria: “Só Nós Dois”, a que se seguem outras
produções como “Portugal Acústico” e “Álbum de Recordações”, chegando com este
último espectáculo a manter uma
digressão nacional que durou 6 anos.
Entretanto recebe um convite do
encenador João Coutinho, da Companhia de Teatro do Ribatejo, para representar,
musicar e cantar no espectáculo “De Salazar a Otelo”, que teve várias
representações e foi muito bem sucedido.
Impulsionado pelo sucesso deste
musical, em 2004, resolve aventurar-se nos musicais norte-americanos. Pede uma
licença sem vencimento na universidade e vai para Nova Iorque onde, depois de
um casting no Ethel Barrymor Theatre, é seleccionado como cantor e actor para
fazer substituições em elencos principais da Broadway. Ali actua por diversos
períodos durante os anos de 2004 a 2007. Apesar de fazer viagens frequentes entre os
E.U.A e Portugal continua a exibir o espectáculo “Álbum de Recordações” e
torna-se produtor de grandes espectáculos em Portugal. Rolling Stones; Harlem
Globetrotters (digressão também em Espanha e Itália); Liza Minelli e, em 2007 e
2008, a digressão nacional da fadista Mariza.
Em 2006 tem que tomar uma opção muito
importante. Reintegrar-se na sua profissão na universidade ou dedicar-se à
carreira artística. Num arrojo de coragem, liberdade e paixão pela música,
abdica da sua actividade profissional em Coimbra e entrega-se com fervor à cena
musical.
Em Janeiro de 2009 estreia o
espectáculo “Ary o Poeta das Canções” e desde então tem feito várias digressões
nacionais desta produção musical, tendo percorrido praticamente todo o país, pisando
grandes palcos, com um sucesso relevante.
Fiel à cultura portuguesa, à qual
quer “fazer justiça”, por entender que Portugal tem muitas qualidades e grandes
valores, tal como Ary dos Santos foi um poeta da liberdade, QuimZé Lourenço é
um homem livre na sua filosofia de vida e um cantor à solta no palco de emoções
e solidariedade em que transformou a sua vida.
Um altruísta que não está no
espectáculo apenas por dinheiro e que praticamente em todas as localidades onde
actua, doa sempre uma parte do valor apurado na bilheteira a Instituições de
Solidariedade ou que trabalhem em prol de causas sociais.
Canção "Cavalo à Solta" - Espectáculo "Ary o Poeta das Canções".
Antes
de sabermos algo sobre o homem, vamos conhecer a criança. Como é que decorreu a
tua infância?
Para responder a essa
pergunta acho muito importante referir um curto período anterior ao meu
nascimento.
No ano de 1970 os
meus pais casaram por procuração. Isto porque a minha mãe vivia na Chamusca e o
meu pai sendo militar de uma tropa especial (“Caçadores-Paraquedistas”), estava
na cidade da Beira, em Moçambique, a cumprir a sua 3.ª comissão de guerra em
África, comandando um pelotão, depois de já ter estado em Angola e em
Moçambique uma primeira vez.
Foi somente em
Janeiro de 1971 que a minha mãe viajou para Moçambique, tendo ali o casamento sido
consumado de facto. Sou concebido no mês de Março, mas devido ao estado de
guerra naquele país, por uma questão de segurança, o meu pai entende que a
minha mãe, já com 7 meses de gravidez, deve regressar a Portugal. Como é sabido
num estado tão avançado de gestação, devido à altitude, uma grávida não deve
viajar de avião. Por isso durante a viagem e sobre o Oceano Atlântico eu ‘quis
nascer’. Foi um rebuliço a bordo, porque ninguém sabia como lidar com a situação. Contudo, apesar das dores de parto que a
minha mãe sentiu, milagrosamente não nasci nessa altura. O que só veio a
suceder 2 meses depois, na Chamusca, em casa dos meus avós maternos. Daí que,
devido a estes factos, eu me considere desde sempre um filho da guerra colonial.
O teu início de vida dá-se com os
teus pais separados pela guerra?
Sim, porque o meu pai
continuou na guerra em África. Apesar de ter feito uma rápida viagem a Portugal
para me ver, quando eu tinha alguns dias de vida.
A visita do pai para o ver.
Só vim a conviver com
o meu pai aos 3 anos de idade, quando no Verão quente de 1975 viajo com a minha
mãe para Luanda. O meu pai fazia parte da força militar que estava a garantir a
ponte aérea entre Luanda e Lisboa. Lembro-me perfeitamente dos vidros da casa
onde estava a morar se estilhaçarem todos os dias, devido aos disparos e trepidações
dos rebentamentos da artilharia utilizada na guerrilha entre a UNITA e o MPLA. Lembro-me
de tudo. E ainda hoje me sinto incomodado com o troar dos espectáculos de fogo-de-artifício.
Apesar disso eu e a
minha mãe ainda permanecemos em Angola cerca de 2 meses e meio, mas ela sofria bastante
com receio do que me pudesse suceder, porque entre as muitas palavras de ordem
escritas nas paredes das casas, havia uma
frase marcante: “matem criança branca”. Passámos
por alguns sustos e nós os dois fomos obrigados a regressar a Portugal e a
afastar-nos mais uma vez do meu pai.
Sentiste muito a falta da figura
paterna nestes primeiros anos da tua vida?
Sem
dúvida. Mas como vivia com a minha mãe em casa dos meus avós maternos, o meu
avô acabou por ser a figura paterna. Como se pode verificar pelas fotografias
estou sempre acompanhado por ele e com as mãos à cintura como quem faz uma pega
de caras. O meu avô foi sempre como que o meu
primeiro ajuda numa pega de forcados. Na verdade ele foi sempre o meu
protector. Pela vida fora foi sempre o grande amigo, até que no dia 01/04/2012
me morreu nos braços. Estava à mesa a comer quando lhe deu um AVC fulminante e
fui eu que, pressentindo no seu rosto o que estava a suceder, o segurei e impedi
que ele caísse ao chão.
Sempre com a companhia do avô e de mãos à cintura numa postura de forcado.
Apesar das tribulações que
referiste foste uma criança tranquila e feliz?
Fui sempre uma
criança tranquila, bem comportada e que gostava de estudar. Entrei para a
Escola Primária da Chamusca com apenas 5 anos, em 1976, e aos 9 anos terminei a
4.ª classe.
1.ª classe na Escola Primária da Chamusca, com o saudoso Professor Filipe.
QuimZé é o primeiro à direita na fila de baixo.
4.ª classe na Escola Primária da Chamusca. É o primeiro à direita na segunda fila.
Penso que fui também
um miúdo alegre, na medida em que desde cedo comecei a sentir afinidade com a
música e andava constantemente a pedir instrumentos musicais de brincadeira e
com os quais me dava uma grande alegria brincar.
A alegria da criança, com os instrumentos musicais de brincadeira.
A brincadeira
tornou-se realidade, quando o meu pai pediu a um amigo que comprasse em Espanha
uma guitarra clássica. A qual me viria a oferecer como um prémio por eu ter ficado
aprovado no exame da 4.ª classe. E foi assim que, aos 9 anos, me tornei uma
criança ainda mais alegre e feliz. Porque tinha um instrumento musical a sério
e ele dava-me a oportunidade de começar a aprender a tocar. Ia para o quintal
com a guitarra tentando, sozinho, tirar uns acordes das músicas que ouvia na
rádio e que muito me influenciavam. As primeiras canções que me lembro de ter
tocado e cantado já com alguma sonoridade, foram: “Canta Amigo Canta”, de
António Macedo e “ Uma Gaivota Voava Voava”, de Ermelinda Duarte.
Pode dizer-se que este foi o
começo da tua ligação à música?
De
certa forma foi isso que sucedeu, porque comecei a despertar a atenção dos
vizinhos e por sua influência, dado que falavam com a minha mãe e lhe diziam
que eu tinha muito jeito, ela levou-me a aprender música com o fadista João
Chora, que já tinha uma considerável actividade musical e que me começou a
ensinar alguns acordes. Foi com ele que aprendi o b.a.bá musical. Um ano depois
cheguei a actuar num espectáculo que ocorreu no Cine-Teatro da Chamusca. Contudo,
algum tempo depois, o João Chora chamou a minha mãe e disse-lhe que já me tinha
ensinado tudo o que sabia e que já não tinha mais nada para me ensinar. A partir
dai comecei a concentrar-me só nos estudos. Finalizo o 9.º ano na Chamusca e vou
estudar para Torres Novas, onde termino o 12.º ano. Depois faço a Prova Geral
de Acesso à Universidade (PGA), obtendo uma boa média, que me permite a entrada
no Curso de Sociologia da Universidade de Coimbra no ano lectivo, de 1989-90.
Isso significa que guardaste a
guitarra no saco e que deixaste de pensar nas canções?
Não foi propriamente assim. Durante o período universitário a minha mãe levou-me para a reposição das
revistas à portuguesa “Na Cepa Torta” e “Salsifré”, que tinham sido
representadas originalmente na Chamusca nos anos 60 e onde ela actuava como
actriz. O elenco musical dessa reposição era constituído por mim, que tocava
viola, pelo Mestre Julião no bandolim, o Senhor Salvador no baixo acústico, o
senhor Durão no acordeão, o Luís Petisca na guitarra de fado e o João Chora ao
piano.
Com Luís Petisca no final de um espectáculo da reposição das Revistas "Na Cepa Torta e Salsifré".
Às segundas-feiras
baldava-me às aulas na Universidade para estar nos ensaios da Revista.
Também por influência
do Luís Petisca e do Sérgio Marques, íamos tocar para os jardins da Chamusca ou
nos degraus do Cine-Teatro, sempre com uma assistência de curiosos. Depois
demos um salto e começámos a tocar em bares, aos fins de semana, e também em alguns
espectáculos de fado. Tocávamos pop-rock internacional, blues, jazz, flamenco e
bossa nova. Eu já tocava e cantava quase todo o repertório do Zeca Afonso,
incluindo as baladas de Coimbra. Lembro-me ainda nessa altura dos instrumentais
dos Gipsy Kings e dos temas do Paco de
Lucia. Eu, ao contrário do Sérgio, era um autodidacta mas lá me desenrascava.
Apesar dessas
incursões o meu grande objectivo a partir do momento em que entrei na
Universidade foi o de estudar e ser um bom aluno. Por isso, apesar de ter sido igualmente
convidado para tocar em grupos de fado de Coimbra e ter até participado em
algumas actuações, o facto é que nunca me quis envolver muito com a música para
não prejudicar os estudos.
E com alguma música e muito
estudo terminaste o curso!?
Queima das fitas de 1994. Frequentava o 4.º ano de Sociolgia.
Terminei o curso em
1995. No último ano do curso fui convidado para fazer investigação na
Universidade e complementarmente dar aulas de Sociologia. Seguiu-se o mestrado sobre
o tema “Comportamento Improvisado” e
aproximo-me da Psicologia. Começo a fazer investigação na área da Psicologia
Clínica no Hospital da Universidade.
Em
finais de 1997 começo a publicar textos de psicologia nos Estados Unidos, a
convite de algumas universidades norte-americanas. Sou igualmente convidado
para fazer investigação e residir naquele país. Mas acabei por cá ficar. Apesar
de não ter ido para os Estados Unidos da América continuei a editar lá.
O professor e o investigador
silenciaram o músico e o cantor que havia em ti?
Efectivamente era
isso que estava a suceder, só que em Maio 1998 morre o cantor Frank
Sinatra. No dia seguinte fui comprar
todos os CD’s dele. Talvez tenha sido por causa dele que quis começar a cantar
‘à séria’ e renasci definitivamente para a música. Nesse mesmo ano conheço e
contacto com o Grupo “Além Mar” onde o Francisco Velez, já se encontrava a
tocar e acompanho as digressões do Grupo. Tenho a oportunidade de conhecer
grandes nomes da música nacional. Em 1999 conheço o também chamusquense José Cid, grande compositor e intérprete, que me dá muito incentivo para cantar,
tendo-me inclusive convidado para fazer vozes no CD de originais que ele lançou nesse ano.
E
é com este impulso que me estreio no dia 1 de Abril de 2000 como cantor, recebendo
um cachet, num restaurante-bar e sala de espectáculos chamado “Chiado” em
Abrantes, junto à Câmara Municipal. Nesse espectáculo que se chamava “Só Nós
Dois”, era acompanhado pelo pianista André Vicente, sendo o reportório na 1.ª
parte constituído pelos clássicos americanos e a 2.ª parte composta por
clássicos musicais portugueses, imortalizados por Paulo de Carvalho, Fernando
Tordo, Carlos Mendes, Simone de Oliveira, Carlos do Carmo, Jorge Palma, Rui Veloso, Trovante, entre outros.
Como
achava que a segunda parte tinha mais valor, por reflectir a cultura
portuguesa, pensei em fazer um espectáculo só com os clássicos portugueses e
assim criei o espectáculo “Portugal Acústico”, onde era acompanhado pelo
Ricardo Favas, na guitarra eléctrica, Bruno Ramiro no baixo, Sérgio Marques na
bateria, André Vicente no piano e a Sofia Santos que também cantava. Estreamos este espectáculo na “Festa do
Rio e das Aldeias”, no Arripiado, e voltámos a fazer este espectáculo mais uma
vez “Nas Mãos de Mestre”, na Chamusca.
Estreia do espectáculo "Portugal Acústico", em 13/08/2000, na "Festa do Rio e das Aldeias" no Arripiado.
Este projecto musical não teria
sequência porque o Sérgio Marques e o André Vicente tinham uma vida muito
ocupada e não podiam continuar a acompanhar-me. Isto apesar de em Maio de 2002
ainda termos feito, na Semana da Ascensão, na Chamusca, um espectáculo em que
intervém o Sérgio Marques e o naipe de metais da Orquestra do Maestro José Santos Rosa, que
foi como que um reeditar do “Portugal Acústico”.
Apresentação em Maio de 2002, na Semana da Ascensão, na Chamusca.
O final deste projecto musical
significou um rude golpe na tua motivação?
Eu
queria continuar a fazer espectáculos musicais (e viver disso) e é por esse motivo que contacto
o pianista João Guerra Madeira (que conheci num Espectáculo de Jazz), para comigo
fazer novos arranjos para os temas clássicos
portugueses. Depois, conjuntamente com um baterista e um baixista profissionais
e com o prestigiado saxofonista português Nanã Sousa Dias, produzo e canto no
espectáculo “Álbum de Recordações”, que estreia em Agosto de 2002 na “Festa do
Rio e das Aldeias”, no Arripiado. Com este espectáculo, em Maio de 2003, na
Semana da Ascensão, é a última vez que actuo na Chamusca num espectáculo de
minha autoria, tendo como convidados o José Cid, o Sérgio Marques e a Sofia
Santos. Já integrava esta produção o trompetista Tomás Pimentel.
Comecei
a ir bater à porta das Câmaras Municipais. Neste aspecto fui muito ajudado pelo
Raul Caldeira que falava com os autarcas e lhes dava boas referências sobre mim,
pois via-me como um artista com talento.
No
ano da estreia fui a Torres Novas, ao velho Teatro Virgínia, e ao Entroncamento
ao agora encerrado Cine-Teatro São João. Com este mesmo espectáculo, “Álbum de
Recordações”, a Digressão durou 6 anos e passou por Auditórios, Cine-Teatros, praças e centros históricos.
Espectáculo "Álbum de Recordações" no Cine-Teatro S. Pedro em Abrantes (2004).
Espectáculo "Álbum de Recordações" na Aula Magna de Lisboa (2004).
Espectáculo "Álbum de Recordações" na Antena 1 (2007).
Sei que, entretanto, em 2004, o
musical “De Salazar a Otelo” significa uma viragem no teu caminho. De que forma
é que isso sucedeu?
Eu nunca tive muita
actividade na área da representação teatral, mas tinha alguma noção das minhas
capacidades, uma vez que para além do episódio de aos 6 anos, numa festa da
Escola Primária, ter declamado um poema intitulado “O Sol”, tendo recebido
bastantes aplausos, tive a oportunidade de participar em algumas peças no Ciclo
Preparatório, tendo-me sido sempre atribuídos papéis principais. O encenador João Coutinho, da Companhia de Teatro
do Ribatejo, convidou-me para musicar, cantar e representar no musical “De
Salazar a Otelo”, comemorativo dos 30 anos do 25 de Abril. O espectáculo teve
várias representações e foi um sucesso, o que me fez acreditar mais nas minhas
potencialidades.
Devido à muita
experiência na música e a algum jeito para a representação, nesse mesmo ano de
2004 penso em aventurar-me e partir para os Estados Unidos da América para
participar em musicais. Meto uma licença sem vencimento na Universidade e vou
para Nova Iorque tentar a vida artística. Não o faço à toa, porque falo bem
inglês, tinha contactos naquele país que me permitiam ter alguma segurança para
enfrentar o período inicial e dinheiro no bolso para as despesas.
Fui fazer o casting
na Broadway, destinado a escolher novos artistas para a temporada anual com
vista a substituírem os elencos principais. Passei no casting e começo a actuar
como cantor e actor, fazendo substituições, por diversos períodos durante os
anos de 2004, 2005, 2006 e 2007, viajando com frequência entre cá e lá.
Durante o casting no Ethel Barrymor Theatre, em Nova Iorque.
O que é que aprendeste no mundo
artístico norte- americano?
Aprendi o quanto
importante (eu diria até decisiva) é a produção de um Espectáculo. Sobre o que
deve versar um Espectáculo? Como deve ser escrito ou montado? Como se escolhem
as músicas e os textos? Como se escolhe o elenco, os músicos, os bailarinos, os
intervenientes? Para quem fazemos o Espectáculo? Qual é o nosso público-alvo?
Como é que comunicamos eficazmente com ele? Como se emocionam as pessoas? Como
se vende um Espectáculo e como pagamos as contas daquela gente toda? Como
mantemos uma Companhia e um Teatro a funcionar? Fiquei a saber alguma coisa de
criação, gestão e marketing artístico. Claro que tudo é mais fácil nos Estados
Unidos. Há mecenato verdadeiramente e um mercado enorme com muitos anos de
actividade e marcas firmadas.
Acho que em Portugal
precisamente o que faz a diferença no mundo artístico é ter-se marketing.
Talento há muito, falta saber mostrá-lo e vendê-lo. Nisso os americanos são
imbatíveis.
Tenho a certeza que quando apostarmos a
sério em internacionalizar a nossa arte e cultura daremos um salto igual ao que
demos nas Descobertas. Talento e qualidade não faltam, o que falta é saber
mostrá-los ao Mundo e já agora a nós próprios.
Entre as actuações nos Estados
Unidos da América e a ponte aérea frequente entre aquele país e Portugal, sobrou-te
ainda tempo para desenvolveres mais algumas actividades?
Nesse período produzi
em Portugal e no estrangeiro espectáculos internacionais, entre os quais se
destacam: Rolling Stones em 2003, no Estádio Cidade de Coimbra; em 2004 a
digressão nacional, espanhola e italiana dos Harlem Globetrotters; Liza Minnelli;
e em 2007 e 2008 a digressão nacional da fadista Mariza.
Simultaneamente mantive
o espectáculo “Álbum de Recordações”, que só viria a terminar devido ao
surgimento da nova produção: “Ary o Poeta das Canções”.
Nesse período tive
também que tomar uma decisão importante. Em 2006 prescindi do meu lugar em
Coimbra para me dedicar à produção de espectáculos a tempo inteiro. Contudo,
continuei a publicar nos Estados Unidos e a viver de direitos de autor.
Como é que te surgiu a ideia
deste espectáculo sobre o Ary?
Quando comecei a mexer
com o espectáculo “Álbum de Recordações”, ao pegar no reportório dos clássicos
portugueses, notei que havia um poeta que era comum em cerca de 15 canções das
mais conhecidas da nossa música e que continuaram a ser cantadas ao longo de 40
ou 50 anos. Isso era fantástico. Um milagre num país de analfabetos que
enquanto tomavam banho ou lavavam a roupa, trauteavam os versos sofisticados do
Ary em vez de rimas populares.
As canções eram
sublimes e decido montar o espectáculo “Ary o Poeta das Canções” para percorrer
o País aquando dos 25 anos da morte do Ary. Dias depois da data da efeméride
(em Janeiro de 2009) estreio- o em
directo e ao vivo na Antena 1.
Nestes espectáculos
participaram Nanã Sousa Dias, flauta e saxofone, João Guerra Madeira, no piano,
Pedro Amendoeira, na guitarra Portuguesa, o Tiago Ramos na bateria e
percurssões, o Zeca Neves no contrabaixo (depois substituído pelo Valter
Antunes, pelo Eduardo Lopes e actualmente pelo João Ricardo Almeida), as
coreógrafas e bailarinas Helena Azevedo e Catarina Gonçalves da Escola Superior
de Dança e no multimédia o Nuno Guedelha.
Desde 2009 que o espectáculo
continua a sua digressão nacional. Isso significa uma forte adesão do público?
Sem o público não é
possível realizarem-se espectáculos. O espectáculo do Ary enche os espaços onde
é apresentado e já percorreu praticamente todo o país, à excepção das Ilhas da
Madeira e dos Açores.
Já realizei
espectáculos no Casino da Figueira da Foz, Instituto Franco Português e Teatro da
Malaposta em Lisboa, Fórum Cultural do Seixal, Teatro Recreios da Amadora, Teatro José Lúcio da Silva em
Leiria, Grande Auditório do Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz,
Cine-Teatro Municipal João Mota em Sesimbra, Cine-Teatro Avenida em Castelo
Branco, Teatro-Cine de Pombal, entre muitos outros.
Espectáculo "Ary o Poeta das Canções" no Casino da Figueira da Foz (Julho de 2009).
Espectáculo "Ary o Poeta das Canções" no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria. (18/01/2011).
Espectáculo "Ary o Poeta das Canções" no Grande Auditório do CAE da Figueira da Foz (2013).
Espectáculo "Ary o Poeta das Canções" no Cine-Teatro Avenida em Castelo Branco (2013).
Este ano já actuei no
Teatro Sá da Bandeira em Santarém, Cine-Teatro Caracas em Oliveira de Azemeis,
Cine-Teatro Granadeiro em Grândola (nos 40
anos do 25 de Abril) e no Centro Cultural de Cascais. Até ao final do ano vou ainda
realizar espectáculos na Casa das Artes em Miranda do Corvo, Casa das Artes e
da Cultura do Tejo em Vila Velha de Rodão, no Centro Cultural do Cartaxo, no
Teatro Garcia de Resende em Évora, no Teatro Académico Gil Vicente em Coimbra,
no Teatro Aveirense em Aveiro e no Centro de Artes de Sines. Para o próximo ano
a agenda ainda está mais preenchida.
Espectáculo "Ary o Poeta das Canções" no Teatro Recreios da Amadora( 17/04/2014).
Nestes anos de crise
profunda onde a primeira coisa a cortar são os orçamentos para a cultura temos
feito alguns Espectáculos à bilheteira. O que é mais curioso é que em regra
quando assim acontece as salas enchem. Cada Espectáculo é um enorme desafio e
um teste à criatividade e à eficácia do marketing e da comunicação que tenho de
fazer. As dificuldades têm apurado o engenho e felizmente tenho as contas em
dia.
Em todos estes anos
nunca recebi um subsídio público, tenho sobrevivido e criado emprego.
Os teus espectáculos também têm
uma componente de solidariedade?
Sim. Em cada
localidade onde vou à bilheteira tenho sempre ajudado uma Instituição ou causa
local, doando pelo menos 1 euro de cada bilhete vendido e em alguns casos,
quando tenho um patrocinador que paga o espectáculo, dou todo o dinheiro
apurado na bilheteira para uma Instituição que necessite. Por exemplo, a Associação de Apoio à Vítima de Santarém (APAV)
estava para fechar as portas e com a receita apurada no meu espectáculo conseguiu equilibrar-se economicamente. Na Figueira da Foz dei 1€
de cada bilhete vendido à Liga dos Amigos do Hospital da Cidade, que muito
prezo e que tem tido uma excelente intervenção no apoio aos doentes.
Não estou no
espectáculo só por dinheiro. Se o que me movesse fosse apenas o lucro estaria
nos E.U.A a fazer espectáculos.
O que é que significa para ti
esta ligação permanente à actividade artística?
Eu estava a engordar
em Coimbra. Alimento-me de paixões e a música (primeiro), o teatro, a dança e os
espectáculos (depois) foram arrebatadores . Optei por eles porque quero
sentir-me vivo todos os dias. Cada vez que subo ao palco ‘sou eu’. Sinto que
estou cada vez melhor. Tenho feito a minha formação em cima do palco (nunca
frequentei nenhuma escola de artes). Sinto-me um homem com sorte, porque dei
sempre saltos em frente, e quero viver sempre com novos desafios. Quero fazer
justiça à cultura e às artes portuguesas. A canção “Summertime” não é superior
à canção “E depois do Adeus”, por exemplo. Temos excelentes poetas, compositores,
músicos, cantores que não são valorizados e eu quero que as pessoas percebam
que temos muita qualidade no nosso País. Somos o povo com menos auto-estima que
conheço. E temos todas as razões para gostarmos do que é nosso. Eu, que não sou
político, acredito que a saída para a crise é exportamos a nossa arte e a nossa
cultura ou então mostrar ao estrangeiro o que temos de bom e dizer: ‘venham cá
ver isto’! A principal indústria americana é a cultural: os filmes, a música e
a Broadway. Quando acreditarmos em nós e soubermos vender, temos a nossa
sobrevivência assegurada.
O meu passo seguinte
é tentar internacionalizar o “Ary”. Vou gravar o tão ambicionado CD e DVD no
próximo ano, e tentar que a edição ocorra também no estrangeiro, acompanhada de uma digressão internacional.
Para quando o espectáculo “Ary o
Poeta das Canções” na Chamusca?
Desde 2003 que sempre
apresentei propostas à Câmara Municipal para actuar na minha Terra, até que
desisti de enviar cartas uma vez que não me respondiam.
Em Março deste ano
participei num espectáculo de solidariedade a favor da União Desportiva de
Chamusca, para ajudar a Instituição e as pessoas que a ela estão ligadas e que
muito prezo. Para que isso fosse possível paguei do meu bolso a um músico e a
um técnico de som e não me arrependo. Mas lamentavelmente não consigo fazer o
“Ary o Poeta das Canções” no Cine-Teatro da Chamusca, isto depois de já ter
apresentado o espectáculo em praticamente todos os concelhos do distrito de
Santarém e nas grandes Salas de Espectáculo deste País.
Actuando durante o espectáculo de Solidariedade da União Desportiva da Chamusca.
Actuando durante o espectáculo de Solidariedade da União Desportiva da Chamusca.
Nunca me desliguei desta
Terra. Por exemplo, sou cliente da Tipografia "A Persistente", que faz todos os
encartes, cartazes, bilhetes, convites e conteúdos promocionais dos meus
espectáculos. Faço questão de ser fiel a esta empresa da Chamusca, que tem
muita qualidade e me trata bem.
Este silenciamento na Chamusca só foi quebrado com algumas idas à
RTP e à Antena 1, o que levou a que reparassem no meu trabalho e me tivessem
convidado para um pequeno tributo na Biblioteca Municipal, em Fevereiro deste
ano. Devo isso à Drª.Paula Ribeiro.
Cantando "Desfolhada" no Programa "Portugal no Coração" da RTP1
Para finalizar, gostarias de
deixar alguma mensagem aos leitores e seguidores deste blog?
Depois
do que acabei de dizer, talvez faça sentido acabar com as palavras de uma
canção do Fernando Tordo: «Se no amor não se olha ao imperfeito, peço que amem
os cantores da minha terra».
Agradecimento:
A Dulce Pereira, pela colaboração no trabalho com os vídeos e João José Matias Bento pela cedência de uma fotografia e pela Amizade.
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