Nascido em 18/01/1949, na freguesia do Pinheiro Grande, SÉRGIO CARRINHO é uma das pessoas que mais
contribuiu para o desenvolvimento do concelho da Chamusca.
É uma Figura da História local e regional e também uma
referência a nível nacional pela sua longevidade num cargo autárquico.
É um homem simples,
avesso a falar sobre si próprio e que não gosta que deem uma importância
exagerada ao seu trabalho como autarca, que segundo o próprio se guiou sempre
por uma forte ligação emocional ao seu Concelho.
É também uma pessoa de trato fácil, daí a relação de simpatia
que mantemos há vários anos.
O texto que se segue é, sobretudo, uma conversa de amigos,
ocorrida no seu cantinho “Mercearia da Quinta”, no Pinheiro Grande.
Apresento-a neste blogue, por entender que são referências
humanas como esta que dignificam a Chamusca e que conferem à Pessoa e à Terra a
atenção e o respeito que Elas merecem.
Eu
era o filho mais velho, só depois nasceram os meus três irmãos, a Ivone, o José
Augusto e o Manuel. Vivia aqui nesta casa com os meus avós e os meus pais, num
espaço onde já tinham vivido também os meus bisavós e fora uma loja e uma
taberna onde eles faziam a sua vida e os seus negócios.
A
minha família não era das mais pobres. Mas vivíamos o tempo do pão de milho, da
couve com feijão e da sardinha para três. Tínhamos uma horta e nunca passámos
fome. Como eu era a criança mais velha ajudava nas tarefas familiares, como por
exemplo ajudando na horta e nas searas de milho que os meus pais faziam. A
nossa vida seguia o ciclo das estações do ano. No Inverno com a chuva, o frio e
as cheias do Tejo recolhíamo-nos mais em casa. Na Primavera faziam-se as
sementeiras e no Verão as colheitas. Actividades em que eu participava.
O seu pai, à direita da foto, com um amigo.
A sua mãe, à direita na foto, acompanhada por duas amigas durante uma pausa no seu trabalho de descamisar o milho.
Mas
também haviam os momentos de convívio e de lazer, com os bailes na Aldeia ou
quando, levando o farnel, nos deslocávamos a pé à Feira de S. Martinho, ou à Ponte
da Chamusca para festejar a Quinta-feira de Ascensão e ali passarmos o dia.
No
mais, em criança sempre vivi protegido pela atenção dos meus avós. Recebi deles
e também da minha mãe os melhores ensinamentos, uma vez que o meu pai não podia
estar tão presente, pois passava grande parte do dia a trabalhar. O meu avô ensinou-me a definir as estações do ano, o que era uma aurora boreal, a
conhecer as estrelas, como é que os animais se reproduziam, como é que se
tratavam os cavalos e os burros, o funcionamento das máquinas agrícolas e a
tarefa de descamisar do milho.
Com a sua irmã Ivone e o avô Manuel Faustino o seu grande professor (que viria a falecer de tuberculose pouco tempo depois desta foto ser tirada).
Fui,
portanto, uma criança bem integrada e feliz com a família. Nessa fase da
infância só me faltaram as crianças da minha idade para brincar e com as quais
só vim a relacionar-me quando fui para a escola.
Com os irmãos, Ivone, José Augusto e Manuel, as crianças que mais preencheram a sua infância.
Com os irmãos, Ivone, José Augusto e Manuel, as crianças que mais preencheram a sua infância.
Como é que se deu essa adaptação à
escola?
Deu-se
muito bem. Os ensinamentos e a atenção que recebi dos adultos permitiram-me
chegar à escola com outra bagagem que os outros meninos não tinham. Tornaram-me
mais observador dos gestos, dos hábitos e do enquadramento social e foram muito
úteis para a minha formação.
Devido
a isso fui logo sinalizado pela minha professora para, eventualmente no futuro,
vir a beneficiar de uma bolsa de estudo quando terminasse a 4.ª classe.
Acabei
por ver-me atribuída essa bolsa pelo presidente da Câmara da altura, João Alves
Orvalho, que também era aqui do Pinheiro Grande e fui estudar para o colégio na Rua da "Formiga" na Chamusca, fazendo o caminho de ida e volta de bicicleta.
Era um bom aluno?
Nunca
fui um marrão, mas sempre fui uma pessoa atenta e com vontade perceber o que me
rodeava. Talvez devido a essa fome de conhecimento o primeiro livro que desejei
ter foi um dicionário. Como era muito caro a minha mãe comprou-mo com dinheiro
emprestado que eu viria a pagar com o salário que ganhei durante os 2 meses de
trabalho na minha primeira campanha na fábrica “Spalil”, aos 12 anos de idade.
Por
outro lado, dos 10 aos 20 anos, se bem que nos últimos 4 já não tão
assiduamente, fui sacristão na Paróquia do Pinheiro Grande auxiliando o Padre Diogo.
Esta ocupação deu-me um conhecimento espantoso dos rituais, dos ciclos da
igreja e da arte sacra.
Com
esta tarefa conheci igualmente muitas pessoas de várias classes, pois
participava em missas na Chamusca, no Pinheiro Grande, na Carregueira, no
Arripiado e também numa capela particular da família Isidro dos Reis. Aprendi muito sobre comportamentos
sociais, culturais e religiosos, que de outra forma não teria tido
possibilidade de conhecer e compreender, o que enriqueceu a minha formação.
Como
o padre Diogo sempre me tratou muito bem, esse facto também tornou mais fácil a
minha integração e aprendizagem do latim, que eu falava de cor, e que foi a
única língua usada na Igreja até à investidura do Papa João XXIII, no seguimento do Concílio Vaticano II.
Hoje
ainda sei dizer parte da oração do Pai Nosso em latim e tenho como referência a
expressão “Sic Transit Glori Mundi”,
cujo significado para mim é “a glória do mundo é transitória” e que é um aviso
que deixo para todos os jovens, que pensam em ter tudo da vida o mais
rapidamente possível e com o máximo de prazer, esquecendo-se que existe um
tempo próprio para todas as coisas, uma realidade, e nada é definitivo.
Essa
foi também uma evidência para mim, que mal acabei o 5.º ano, tive que deixar o
ensino e voltar-me para a prioridade que era ter uma vida profissional, quando
aos 16 anos fui trabalhar a tempo inteiro para a “Spalil”.
Qual foi a sua
actividade profissional na "Spalil" e de que forma é que o envolvimento social da
maior empresa do concelho da Chamusca contribuiu para a sua formação humana?
Gostava
de começar por informar, porque a maioria das pessoas não sabe, que a Spalil –
Sociedade de Produtos Alimentares Luso Italiana, Lda teve a sua inauguração em
1938 e foi a primeira fábrica de tomate do país. O que é uma referência não só
para a história da Chamusca, como para a memória da indústria portuguesa.
Fotografia tirada nos primeiros anos de existência da "Spalil"
Ali
comecei a trabalhar na recepção do tomate, na sua escolha e classificação e era
aí que se davam os maiores conflitos, porque ninguém queria que o seu produto
tivesse uma desvalorização que tornasse o preço de compra mais baixo. Ali
aprendi a lidar com as pessoas e a perceber que mesmo a nível do nosso concelho
os comportamentos sociais dos naturais do Chouto, não eram iguais aos do
Pinheiro Grande ou da Chamusca. Depois fui trabalhar para o escritório, para a
secção de pessoal. Era eu que conferia as presenças e elaborava as folhas de
pagamento e assim fui criando uma boa ligação com os trabalhadores, a qual se
estendeu igualmente aos seareiros e produtores de tomate, não só porque durante
a hora de almoço muitas vezes me disponibilizava para os atender, mas também
porque paralelamente fazia as contas com eles, o que me trouxe mais experiência
prática e pessoal da vida.
Eu
era um puto, mas com a confiança das pessoas e aprendendo com todos, fiz-me um
homem numa grande empresa que em 1969 chegou a ter 519 pessoas a trabalhar na
campanha de Verão. A Spalil foi, sem dúvida, a minha universidade da vida, pois
tive uma formação permanente no terreno que me permitiu perceber e gerir as
sensibilidades e deu-me um grande capital de conhecimento e autoconfiança.
Um dos primeiros grupos de trabalhadores da "Spalil".
Rótulo de um dos produtos produzidos na "Spalil".
E como era a vida do
adolescente fora dos portões da fábrica?
Com
o salário que recebia, juntamente com o que me pagavam para fazer a
contabilidade de uma Associação de Agricultores do Pinheiro Grande e do
Restaurante Paragem da Ponte, que na altura tinha mais de 30 empregados,
comecei a ter alguma autonomia económica para comprar jornais, ler os
escritores neo-realistas todos, poder ir mais vezes à Vila da Chamusca fazer
vida social e relacionar-me com um grupo que falava bastante sobre assuntos
políticos. Comecei a ter uma vida de discussão política mais activa e foi nessa
altura, em 1969, que trouxe, debaixo da camisa, dois cartazes com palavras contra o
governo, para colar nalguma parede do Pinheiro Grande e que escondi entre a
colcha e a parede. Mas como era a minha irmã que fazia a cama, descobriu-os e
rasgou-os para que eu não fosse apanhado. Isto eu só o soube depois do 25 de
Abril de 1974, quando ela mo confessou.
Houve
ainda outro episódio, quando o ministro Gonçalves Rapazote veio dizer, na véspera das eleições de 1969, que não
eram permitidos ajuntamentos com mais de 3 pessoas. Uma noite estávamos 7
companheiros à conversa no Restaurante do “Alentejano”, quando a GNR nos veio
ordenar que dispersássemos. Saímos dali, mas fomos sempre juntos Rua Direita
abaixo até nos sentarmos à porta do Clube Agrícola. Aí fomos novamente
abordados pela GNR que nos intimou a comparecer no Posto às 8 da manhã. Fomos
interrogados e foi aberto um processo de investigação sobre nós que durou
vários meses. Eu fui condenado a pagar 80 escudos e cinquenta centavos e todos
os outros foram também sancionados. Por exemplo a um companheiro que era
militar e estava destacado na Guiné, cortaram-lhe a licença de férias. Isso era
o pior que se podia fazer a quem, como nós, era contra a guerra no Ultramar.
Mas, apesar de ser
contra a guerra no Ultramar, também acabou por ser para lá enviado. Como é que
decorreu essa experiência?
Esse
era o destino e o castigo de praticamente todos os homens jovens deste país.
Em
1970 fui fazer a recruta para as Caldas da Rainha e a especialidade em Tavira.
Depois, em finais de Janeiro, início de Fevereiro de 1971 fui, de facto para a
guerra do Ultramar, para a Guiné. Era furriel atirador e fiquei lá 18 meses integrado numa companhia de soldados negros. Fui mesmo para a guerra, porque
haviam vária zonas ocupadas pelo PAIGC e era preciso combater no mato.
Foi um momento muito difícil,
violento e inútil e fiquei com a percepção ainda mais clara de que a guerra só
se dera por uma questão política e só dessa forma poderia terminar, como veio a
suceder.
Na Guiné, com alguns dos soldados do seu pelotão.
Quando regressou do Ultramar voltou
novamente ao trabalho na "Spalil"?
Sim,
em 1973 voltei ao meu posto de trabalho na "Spalil", onde algum tempo depois o
processo revolucionário do 25 de Abril me veio encontrar. Lembro-me que nesse
mesmo dia, com as notícias da Revolução, formámos um piquete junto do portão da
fábrica para não deixar entrar ninguém estranho à empresa. Não queríamos qualquer dano num lugar que sentíamos como nosso e era a salvaguarda económica de muitas
famílias.
Depois,
seguiu-se uma época conturbada com muitos acontecimentos e mudanças, mas também
com muita liberdade. Durante esse período fiz parte da Comissão de
Trabalhadores da "Spalil"; participei em campanhas de dinamização cultural
organizadas pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), nomeadamente alfabetizando
algumas áreas do concelho; acabei o 6.º e o 7.º ano estudando à noite em Torres
Novas e, em 1976, casei-me. Nesse mesmo período comecei a ser sondado para
participar mais activamente na vida política.
É então que a política activa começa
a fazer parte da sua vida?
Não
foi uma escolha imediata, mas com toda a minha bagagem de vida profissional e dos
relacionamentos sociais que fui estabelecendo ao longo do tempo, pensei que
podia ser útil no desenvolvimento do meu Concelho e acabei por aceitar, quando
fui convidado para vir a ocupar um eventual cargo político.
Participei
nas primeiras eleições para a Câmara Municipal, em 1976, com o Gonçalo Cabaço
como cabeça de lista e integrados na candidatura da Aliança Povo Unido (APU). O partido socialista venceu, tendo ficado como
presidente da Câmara o Dr. Francisco Romão, mas eu viria a ocupar o lugar de
vereador de 1977 a 1979. Tinha então apenas 27 anos.
E daí a Presidente da Câmara foi um
passo?
Não
posso analisar a situação dessa forma. Quando concorri como cabeça de lista da APU
às eleições autárquicas de 1980 e fui eleito, penso que isso só foi possível
porque recebi votos da esquerda e da direita. Nunca se tratou unicamente de cor
partidária, mas do facto de eu ser uma pessoa que me relacionava bem com todas
as pessoas, de todos os estratos sociais, e por me conhecerem.
O
que também se realça pelo facto de ser sempre eleito como independente. Nunca
fui militante do Partido Comunista. O único partido onde me filiei foi o
MDP/CDE.
Nunca
perdi qualquer eleição a que concorri para Presidente da Câmara da Chamusca e
se ocupei esse cargo durante 33 anos isso só revela o que anteriormente referi,
que grande parte da população do Concelho olhava para mim como a pessoa que
melhor assegurava a defesa dos interesses da sua Terra.
Reprodução da sua fotografia, incluída nos cartazes da campanha eleitoral de uma das suas primeiras candidaturas à Presidência da Câmara.
Na Carregueira, com Álvaro Cunhal, durante um acção de campanha para as eleições autárquicas.
Reprodução da sua fotografia, incluída nos cartazes da campanha eleitoral de uma das suas primeiras candidaturas à Presidência da Câmara.
Na Carregueira, com Álvaro Cunhal, durante um acção de campanha para as eleições autárquicas.
Neste seu percurso político ao serviço da Autarquia tem algum
momento na gestão autárquica que para si tenha tido um maior significado?
Desde logo ter conseguido fazer
chegar a luz eléctrica a todo o concelho, ter construído estradas e escolas,
regularizado o abastecimento de águas e criado as infraestruturas pesadas para
pôr o concelho a funcionar, foi um trabalho muito importante para todo o
executivo.
Contudo, para mim em particular, há uma
situação que me toca bastante e que tem a ver com a criação da Ludoteca em
Fevereiro de 1980.
Tivemos uma médica que prestou
serviço no Pinheiro Grande, de nome Manuela Rodrigues que era membro da União de Estudantes Comunistas (UEC) e com uma grande consciência social. Ela veio
a contrair um cancro e a passar por muito sofrimento, tendo acabado por se
suicidar. Contudo, e porque gostava muito de crianças, deixou a indicação aos
seus pais que, do dinheiro que tinha, destinassem 170 contos para
criar uma creche no Pinheiro Grande. Como aqui não haviam muitas crianças, pensámos em criar uma
Ludoteca na Chamusca. Fizemos
a sua instalação no Bairro 1.º de Maio, num espaço emprestado pela Santa Casa
da Misericórdia. Ali se
fez um trabalho gigantesco, que pareceu sempre pouco visível, mas que ocupou
crianças das quais os pais não podiam cuidar e tratar, por razões profissionais
e económicas, e que ali eram recebidas. A Ludoteca foi um grande factor de
integração social e de auxílio familiar e um meio de valorização daquele lugar.
O retrato pintado da Dr.ª Manuela Rodrigues
Mas
para mim houve uma outra pessoa de importância fundamental nesse processo e no
próprio Bairro 1.º de Maio, que foi o Paulo Mira. Através da criação da
Associação dos Amigos da Ludoteca e da Associação dos Moradores e Amigos do
Bairro 1.º de Maio, e do seu envolvimento com a Ludoteca e com a própria
Autarquia, este jovem dinâmico conseguiu a reconfiguração social do Bairro 1.º
de Maio e fez com que os moradores e as pessoas de fora mudassem de opinião em
relação ao Bairro e não o vissem com um lugar de conflito e desagradável para
se viver.
O
Paulo Mira era uma pessoa com uma dedicação, uma perspicácia e um empenhamento
acima da média e que contribuiu de forma decisiva para que aquelas gentes do
Bairro passassem a ser pessoas iguais às outras, menos desiguais.
Paulo Mira, o sorriso franco de um Homem que deixa muitas saudades.
A Ludoteca sendo
um projecto fisicamente pequeno, teve uma dimensão social muito importante, porque
passou também a dar apoio às crianças quando estas não tinham aulas, ou ficavam
à espera de transporte para irem para as suas casas em vários lugares do
concelho e assim não ficavam na rua.
Foi
um projecto muito positivo e de grande dimensão humana, e que ainda hoje
continua a ter muita utilidade social.
Gostava ainda de referir que a
Ludoteca da Chamusca, foi a primeira a nível do país a celebrar um protocolo
com a Segurança Social.
E qual foi o aspecto negativo que mais o marcou na sua
actividade enquanto autarca?
Foi
quando decidi entregar-me à Polícia Judiciária e assumir toda a
responsabilidade pela situação financeira que se vivia na Câmara. A tesouraria
tinha rebentado, mas a autarquia precisava de respirar, avançar e sobreviver. Para
isso era urgente encontrar verbas. Tive a ideia de negociar empréstimos com os
bancos, dando como garantia os valores que iríamos receber por parte das
empresas que iriam proceder ao pagamento da sua instalação na área do
município. Fiz, portanto, empréstimos a descoberto contando com esse dinheiro e
na óptica de que o resultado dessa operação traria um saldo positivo. Mas os
pagamentos por parte das empresas não se deram no timing necessário e quando a
situação se tornou insustentável e como eu era o principal responsável, fui-me
apresentar à Judiciária para que se esclarecesse que não me estava a abotoar
com esse dinheiro.
Entrei
numa grande angústia, foi uma situação dramática para a minha família, mas o
mais importante foi salvaguardar as pessoas que trabalhavam comigo e a situação
económica da autarquia. Não tenho qualquer arrependimento relativamente à
situação e saí dela sem qualquer culpa ou condenação, porque ficaram esclarecidos os procedimentos tidos e o processo acabou por ser arquivado.
A situação apenas se deveu à minha intenção de fazer aquilo que pensei ser
melhor para que o meu concelho continuasse a desenvolver-se e não estagnasse.
Quais foram as coisas que não conseguiu implantar no concelho
da Chamusca e que gostaria que tivessem sido feitas?
Gostava
que a Chamusca tivesse tido um maior desenvolvimento económico, com a
implantação de empresas. Este facto também seria um contributo muito importante
para a criação de postos de trabalho e para combater a desertificação do
concelho. Mas, não servindo isso para me desculpabilizar, não nos podemos
esquecer, neste ano em que se comemoram os 110 anos do arranque da construção
da Ponte João Joaquim Isidro dos Reis, na Chamusca, que é ela que ainda assegura um grande fluxo de trânsito
e de transportes de mercadorias, e que desde essa altura a criação de um novo
traçado viário nunca passou do papel e de um projecto, o que deixou a Chamusca longe
de um eixo rodoviário com mais mobilidade e melhores acessibilidades para as
indústrias aqui se implantarem, escoarem os seus produtos e assim podermos ter
mais desenvolvimento.
110 anos após o lançamento da primeira pedra para a sua construção, entre Santarém e Abrantes esta continua a ser a única Ponte que assegura a ligação entres as duas margens do rio Tejo e que torna possível o imprescindível transporte de mercadorias.
110 anos após o lançamento da primeira pedra para a sua construção, entre Santarém e Abrantes esta continua a ser a única Ponte que assegura a ligação entres as duas margens do rio Tejo e que torna possível o imprescindível transporte de mercadorias.
Nunca pensou noutros voos a nível da política nacional?
Ainda
cheguei a ser Presidente da Associação Distrital de Santarém da Associação de
Municípios, porque confiavam na minha competência para representar as
Autarquias do Distrito, mas ser deputado nunca me seduziu. Apesar disso, sem
esta motivação da minha parte, mas por indicação e vontade partidária, ainda
integrei uma lista para umas Eleições Legislativas. Felizmente que os
resultados foram fracos e não me afastaram do meu meio e do meu objectivo
primordial, o progresso do meu concelho.
33 anos de vida autárquica é muito tempo. Foi ficando por não
querer abdicar do seu estatuto pessoal?
Não,
nada disso. Apesar de ter um vencimento acima da média, o que me manteve foi a
vontade de avançar com novos projectos de desenvolvimento concelhio. De resto
desconheço o que é isso de estatuto. Nunca tive peneiras.
Fui sempre um homem simples. Vesti
sempre roupas comuns a muitas outras pessoas. Só comprei a minha casa em 1997 e
recorrendo a um empréstimo bancário. Nunca vivi como um rico. Quando tinha que
ir a reuniões importantes, como é evidente, vestia o fato e a gravata. Mas
confesso que não me sentia bem com essa indumentária. Nunca gostei muito de
coisas finas. Só como exemplo, uma vez fui convidado para ir a um restaurante
que dizem ser chique, em Lisboa, que serve a comida dita gourmet. O empregado
andou à minha volta a insistir que comesse a broa de uma determinada localidade
do norte do país, que era algo de muito bom e de rara qualidade. Depois de
tanta insistência tive que lhe responder que já comera pançadas de broa e que o
fizera para toda a vida, porque em criança era o que mais comia. As pessoas quando nos vêem de fato e gravata e fazendo parte de
uma comitiva de políticos, pensam que somos todos ricos e que nunca vivemos situações de dificuldade económica.
Numa acção como Presidente da Câmara Municipal da Chamusca, conjuntamente com Presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários Chamusquenses, o saudoso Eurico Monteiro, descerrando o Monumento alusivo à inauguração da nova sede daquela Entidade.
Com uma das equipas do Executivo da Câmara. João José Matias Bento, José Melão e Francisco Matias. Acompanhados por outra Figura da política autárquica; Artur Jacinto.
Numa acção como Presidente da Câmara Municipal da Chamusca, conjuntamente com Presidente da Associação dos Bombeiros Voluntários Chamusquenses, o saudoso Eurico Monteiro, descerrando o Monumento alusivo à inauguração da nova sede daquela Entidade.
Com uma das equipas do Executivo da Câmara. João José Matias Bento, José Melão e Francisco Matias. Acompanhados por outra Figura da política autárquica; Artur Jacinto.
Posso presumir então que lhe foi fácil deixar o poder!?
Não tive qualquer constrangimento por
deixar o meu cargo autárquico. Nunca estive agarrado ao poder, nem fiquei
tantos anos à frente da Autarquia por uma questão de dinheiro. Só fui ficando enquanto achei que o projecto que tínhamos para o Concelho era bom, estava actual e podíamos avançar com ele.
Quando senti que já não podia acrescentar mais nada, retirei-me.
Última fotografia tirada no interior dos Paços do Concelho enquanto Presidente da Câmara. Sob o retrato pintado de João Joaquim Isidro dos Reis do qual é um profundo admirador.
Última fotografia tirada no interior dos Paços do Concelho enquanto Presidente da Câmara. Sob o retrato pintado de João Joaquim Isidro dos Reis do qual é um profundo admirador.
Actualmente como é que ocupa o seu dia a dia?
Agora dedico-me à minha família e
também muito a esta casa onde vivi em criança e durante grande parte da minha
juventude, e que tenho vindo a decorar com variadas peças sobre a sociedade, a
cultura, a publicidade e a história. Neste espaço, a que chamo a “Mercearia da
Quinta” em memória do meu bisavô, desenvolvo alguns eventos temáticos, para
apresentar a grupos de visitantes que aqui se deslocam. É uma espécie de museu
pessoal, mas também contém muitos elementos que ajudam a traçar o percurso do
Concelho da Chamusca, de Portugal e do Mundo, na área religiosa, social e
etnográfica.
O seu bisavô José Rodrigues de Moraes, cuja memória evoca, a sua bisavó e a sua avó.
O seu bisavô José Rodrigues de Moraes, cuja memória evoca, a sua bisavó e a sua avó.
Com a sua mulher Elisete, o seu pai e o seu filho Miguel.
Os seus filhos Pedro e Miguel, quando crianças, numa imagem que muito preserva.
Sendo um apaixonado pelo concelho, quais os aspectos que nele
mais aprecia?
Desde
logo aprecio as suas gentes, que são por vezes pessoas de trato difícil, mas
que se lhes dermos a devida atenção e as tentarmos compreender vemos que são
empreendedoras, dedicadas à sua Terra e capazes de estabelecer relacionamentos
fortes a nível social.
Temos
valores históricos, culturais e do património bastante vincados e sendo eu uma
pessoa interessada sobremaneira por estas áreas, sinto orgulho por os
possuirmos. E mesmo sendo por vezes coisas pequenas, como por exemplo as festas
de Tamazim, de S. Marcos, no Arripiado e todas as outras, a verdade é que fazem
parte da identidade desta Terra e deste Povo. Basta olharmos para a Feira do
Chouto, que já se realiza desde 1755, para percebermos a importância destas
organizações para o enquadramento social do concelho.
Na
globalidade gosto de todos os lugares deste extenso concelho e sinto uma grande
satisfação em aqui viver.
Que mensagem gostaria de deixar para os naturais do concelho
da Chamusca e para todos os leitores desta entrevista?
Eu
tive a felicidade de conhecer muito mais pessoas boas do que menos boas.
Trabalhei com centenas de pessoas de todas as classes sociais e de diferentes
formações ideológicas e na generalidade as recordações que guardo é de um
enorme prazer em as ter conhecido.
Nós
não devemos discriminar e subvalorizar os outros, apenas por não terem dinheiro
ou um estatuto social.
Sou
uma pessoa optimista, mas a verdade é que a vida não tem só coisas boas. Por
isso cabe-nos a nós, efectivamente, ter a noção de que não há ninguém
primordial e insubstituível e acima de todos os outros. Nesse sentido temos que
ter respeito pelo ser humano e pela natureza.
Devemos acreditar sempre que podemos fazer
coisas positivas, mas sem espezinhar ninguém.